Foi com esse epigrama revoltosamente rabiscado na lousa durante o intervalo de aula que descobri a adoção do ENEM como modelo único de vestibular para muitas universidades, e o de maior peso para nós, a UFMG. Sempre preferi ouvir à falar...Permaneci calado, observador perante a situação de contestação, indignação e revolta de meus colegas de classe. Isso tudo ocorreu no meu terceiro ano do ensino médio, em 2010, quando estudava no Bernoulli, onde havia muitos alunos conscientizados politicamente, cidadãos plenamente pró ativos. Só se falava em revolução, em sair às ruas, em boicotar o acesso à reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais. Até então, eu não entendia o motivo de tamanho desconforto.
O primeiro pensamento que se passou em minha cabeça foi: se ficou mais fácil ou mais difícil, pouco importa... O que interessa é que mudou para todos que prestarão vestibular no final do ano. O que já foi suficiente para ajudar a conter os ânimos de amigos a quem expus minha opinião. O contra argumento dos insatisfeitos era que a regra teria sido mudada durante o jogo- o que de fato era verdade. Já havíamos começado a nos preparar para um certo tipo de prova, com 64 questões e os professores já havia elaborado seu plano de aula afim de lecionar toda a matéria em tempo hábil, quando nós, mineiros e interessados em se graduar na UFMG, e o resto do Brasil foi surpreendido com a proposta do novo ENEM.
Acredito eu que toda mudança, principalmente a nível nacional, e que envolva tantos interesses, seja implementada visando melhorias. Não se propõem alterações a fim de piorar um sistema vigente. A partir dessa convicção, procurei enxergar aspectos positivos da proposta. E fui aos poucos, me tornando um defensor ferrenho do modelo ENEM adotado pelo governo brasileiro. Sem querer ser tendencioso – se é que isso é possível – imaginem a dádiva que é poder prestar um exame que seja válido como vestibular para Instituições Federais de Ensino Superior de TODOS os estados do Brasil. Isso mesmo, um único processo de avaliação capaz de proporcionar um mundo de oportunidades.
Isso é fantástico e já acontece nos Estados Unidos, por meio de um processo chamdo SAT. Àqueles que poderiam contrapor-se a essa idéia dizendo que se, ocasionalmente, você estiver mal no dia da prova- seja pela perda de um ente querido, por uma noite mal dormida ou por qualquer outro fator- todo o seu esforço iria por água abaixo, deveriam pensar que o fator “sorte”-no caso “azar”- não pode ser o mais decisivo em nossas vidas. Além disso, deveriam lembrar-se também de que existem universidades que não adotam o ENEM como processo de seleção, e que inscrever-se para tais processos é uma válvula de escape. E para derrubar de vez essa conspiração enfadonha, cabe ressaltar que estando bem preparado- tanto em aspectos intelectuais, quanto emocionais- a chance de se atingir um rendimento aquém do potencial de cada um é mínima.
Outra maravilha do ENEM é o estilo da prova. São 180 questões divididas em quatro grandes blocos – linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; e ciências da natureza e suas tecnologias – sendo 45 de cada um. Isso faz com que cada erro represente uma fração menor no resultado final. Ou seja, aquele deslize que infelizmente ocorre com freqüência, aquela “bobeira” desnecessária que se errou, aquela questão marcada errada no gabarito, tudo isso vai pesar muito pouco na pontuação. Há quem superestime o lado negativo em detrimento de bons aspectos e, em virtude disso, veja o tamanho da prova como um grande problema. Reclamar da extensão da prova é nada mais que dar um atestado de fraqueza aos concorrentes e assumir que não se foi feita uma preparação adequada ao estilo da prova. Isso quer dizer que o vestibulando tem a obrigação de se habituar a permanecer sentado por extensas quatro ou cinco horas de provas e aprender a gerenciar suas habilidades de controle de tempo e atenção. Sei que não é fácil manter o mesmo nível de concentração por tanto tempo, nosso corpo tem sim suas limitações, mas, por outro lado, o corpo é plástico, nossa mente é plástica, conseguimos, portanto, moldá-los de acordo com nossos interesses.
O ideal é que para se evitar a frustrante sensação de ser obrigado a “chutar” questões nos últimos quinze minutos de prova o candidato desenvolva, ao longo da preparação para o exame, a capacidade de não desperdiçar tempo em uma questão ao ponto de atrapalhar o restante da prova. Para isso, façam bastantes simulados, conheçam bem a prova, reconheçam suas limitações e tenha humildade para deixar uma questão para resolver ao final (ou até mesmo, para escolher uma resposta aleatória). Lembrem-se: nenhuma questão, no momento da prova, tem maior importância sobre outras.
As questões, apesar de exigirem um amplo e sólido conhecimento prévio, não são puramente pontuais, não abordam pés de páginas. Sempre há um texto que se possa tomar como referência, provavelmente, a resposta, ou indícios dela estarão contidos no enunciado. A prova exige bom senso do candidato, mede sua capacidade de lidar com situações-problemas e resolvê-los da melhor maneira possível, levando em considerações aspectos sociais, econômicos, culturais. Privilegia-se o candidato politicamente correto, que saiba lidar com as diferenças regionais, populacionais, raciais que enriquecem o Brasil. Sem sombra de dúvidas, o ENEM valoriza temas importantes até então negligenciados pelos outros processos de seleção, como a cultura indígena, a formação do povo brasileiro e a relação entre a estrutura econômica e social do passado e seus resquícios na sociedade. Não se espantem se encontrarem duas respostas que atendam ao enunciado da questão, isso pode ocorrer propositalmente durante a elaboração da prova. Atentem-se, pois com certeza uma será mais adequada.
Entretanto, errar uma questão não resulta em perder todos os seus pontos, pois o sistema de pontuação do ENEM é não se limita à quantidade de questões acertadas ou erradas. Isso se dá graças ao TRI(teoria de resposta ao item), mas nem adianta queimar neurônios e fosfato para tentar decifrar essa fórmula, pois ela não é nada simples. Aliás, é tão complexa que um aluno que acertar menos questões pode ter mais pontos que outro estudante que tiver maior número de acertos. A explicação desse modelo estatístico passa, primeiramente, por um sistema de pesos das questões. Além disso, é possível supor quando o aluno está chutando a resposta de uma determinada pergunta, de acordo com o que ele assinalou em outra questão. É uma dinâmica de erros e acertos que possibilita traçar o perfil de quem faz a prova. Se o aluno vai bem nas perguntas mais difíceis, é porque ele, necessariamente, acertou muitas questões fáceis. Caso contrário, o sistema entende que ele chutou a resposta difícil e diminui o valor prévio atribuído a ela. A explicação para isso é simples: não é possível alguém errar uma operação básica de matemática e, mesmo assim, solucionar uma questão de física, que depende de uma fórmula com muitas contas. O TRI é aceito internacionalmente e inclusive a ONU reconhece, antes que alguém possa pensar que nada mais é que uma mera forma que os políticos brasileiros inventaram para favorecer seus protegidos.
O ENEM pode ainda ser instrumento para se obter a conclusão do ensino médio para brasileiros acima de dezoito anos que não o tenham completado e que atinjam um determinado rendimento na prova. Outra importância do exame é a classificação das escolas de ensino médio em ranking a nível nacional. O levantamento de dados obtidos através do ENEM permite planejamento de políticas públicas, na medida em que avalia os estados de pior rendimento, as regiões mais carentes de educação de qualidade e muito mais.
Aconselham-se evitar mudanças de rotina às vésperas da prova, descansar bem, respeitar os limites do corpo, sair de casa com antecedência para chegar seguramente ao local de prova. É importante levar ao local de prova uma garrafinha de água, barra de cereais, mantimentos práticos, mas nada que atrapalhe a realização da prova, nem que perturbe o ambiente. Cabe ressaltar que não há uma ÚNICA fórmula para se atingir o resultado esperado, mas sim várias formas, dependendo muito da individualidade. Eu, particularmente, nunca fui fã de comer durante a prova, mesmo porque, no ENEM, tempo vale ouro, mas sempre levei um lanche. Isso me dava certa segurança.
Aos Irmãos que ainda não estão na época de prestar vestibular, deixo a dica de já realizarem o ENEM como treneiro, e se inscreverem no vestibular seriado (coloco-me a disposição para tratar desse assunto em outro texto).
E a todos, eu deixo uma mensagem: o único lugar em que sucesso precede o trabalho é no dicionário.
Desejo a todos muito sucesso nessa etapa e que todo o esforço se converta em realização. Agradeço a oportunidade de publicar no blog, especialmente ao Irmão Saulo.
Um forte abraço ao Capítulo Sete Lagoas N° 295.
Thiago Campolina Abreu
Thiago Campolina é Estudante de Medicina
DeMolay do Capítulo Sete Lagoas Nº 295
Clique na imagem acima e acesse o site oficial do ENEM-2011.
Lá você terá maiores informações sobre o processo.
A prova está chegando. Fique ligado (a)!!!
Thiago,
ResponderExcluiracredito que você fez algum grau de confusão entre "processo seletivo", "adestramento de candidatos", "oportunidades" e "consequências para o ensino".
Claro que, em processo seletivo, alguém tem que ser aprovado, não há dúvidas, as vagas serão preenchidas. O problema é o sucesso ser medido por um processo de adestramento, ou seja, o aluno tem que ter mais estratégia do que conhecimento, como você mesmo disse várias vezes a resposta está na própria pergunta. O fato de ter a oportunidade de ter estudado em ótimas escolas também faz toda a diferença e confere um caráter elitista à seleção (tão brindada por um acesso ao PROUNI, muitas vezes em vagas refugadas de universidades decadentes - claro que há ótimas vagas também, mas no grosso...).
A preocupação maior é a questão da educação. O pragmatismo das escolas e a necessidade de aprovação e destaque entre as melhores do país (medido pelo ENEM) já está fazendo que conteúdos não cobrados nas provas sejam gradativamente abandonados no ensino médio. Preocupa-me o futuro dos novos calouros de engenharia, aprovados no SISU sem uma base mínima de cálculo no ensino médio, por exemplo. Em termos de UFMG, ainda temos provas específicas, que reduzem um pouco esse tipo de problema, mas cada vez com menos sentido. Em especial no curso de Medicina: veja bem, dos 96 pontos da segunda etapa, 40 serão divididos entre biologia e química e 56 serão da prova de literatura e da redação do Enem (aquela que é corrigida com critérios pra lá de estranhos).
Como professor, não posso pensar apenas em resultados, oportunidades ou estratégias individuais. Preocupa-me muito mais o impacto que tal forma de avaliação tem na grade das escolas e no aprendizado do aluno.
Quanto ao TRI, lembro que ele age apenas dentro da mesma prova. E aí é possível um aluno acertar uma questão difícil de biologia e errar uma fácil de física (ambas da mesma prova de Ciências da Natureza) por simples preferência ou facilidade ou dedicação com uma determinada matéria ou assunto. Terrível é o candidato não receber uma planilha com a sua pontuação em cada questão, direito mínimo de todo candidato.
Abraços fraternos.
Ramon e Thiago,
ResponderExcluirConheço os dois sistemas, o antigo vestibular e o NOVO ENEN, falo por experiência de processo...
Acredito que o ENEM foi implantado de forma 'afobada' e com planejamento técnico deficiente, prova disso, são suas falhas de logística/execução durante as edições do novo exame.
Realmente existem muitos pontos a serem ajustados, que passam desde o tamanho da prova, segurança, a proibição de uso de lápis e borracha durante a execução do exame...
Entretanto, NÃO sou contra o novo modelo, muito pelo contrário. Depois de confesso, muito reclamar, entendi que uma prova que é mais contextualizada é interessante.
Ao contrário do antigo formato dos vestibulares, que exigia do candidato um conhecimento muitas vezes específico demais, cheio de fórmulas e voltado para a mecanização do aprendizado, a proposta do NOVO ENEM é romper com essas idéias. Além disso, é preciso ir além da sala de aula: através de conhecimentos do dia a dia, do convívio e da prática, o aprendizado é ampliado e dinamizado, e esses é um dos nobres alvos do exame, aspecto extremamente importante.
Aquela velha pergunta que os alunos fazem para o professor:
Onde que eu vou usar isso na minha vida??!!
Começa a ser respondida quando problemas do dia a dia bem interligados com a realidade são aplicados ao conteúdo do ensino médio, exigindo do candidato, relação/associação, raciocínio e sem a menor dúvida, conhecimento de conteúdo para resolvê-los...
Com certeza são necessários ajustes pontuais para a qualidade do exame. Assim como eram necessários também no processo antigo, cito aí o da UFMG, que não só fazia como ainda faz ajustes, agora para a 2ª etapa todos os anos...
Por fim, agradeço ao você mais uma vez Thiago, pela disponibilidade com o Blog e ao Ramon também, mestre dos vestibulares...
Acredito que esse debate só enriquece e contribuí para quem está nessa fase...
Abraços fraternos.
Saulo,
ResponderExcluirvocê sabe que não sou contra um exame nacional. De forma alguma! Acho muito interessante a ideia, mas a execução deixa a desejar e muito. A proibição do uso do lápis e borracha vai às raias do absurdo. Ter "espaços para resolver as questões" na prova de ciências humanas e não tê-los na de matemática é surreal.
Quanto ao "onde vou usar isso", há uma diferença entre aplicação imediata e aplicação futura. A matemática é clássico exemplo disso. O aluno pode não perceber no momento onde irá aplicar a análise de um sistema linear, os números complexos ou as matrizes e os determinantes. Mas sua habilidade com esses assuntos o fará interessar-se pela área de exatas. Então, bastará ingressar em um curso que tenha a disciplina cálculo que tudo para ele fará sentido.
Estamos caminhando para a exclusão desses temas básicos do ensino médio, e aí estaremos vendendo uma ilusão do que é a carreira de engenheiro ou outra qualquer da área de exatas: não se faz um prédio só com equações do primeiro e seugndo graus, matemática comercial e probabilidades.
Assim também está caminhando o ensino de zoologia e botânica (que aliás os candidatos à medicina da UFMG não mais precisam na segunda etapa), mas o que será do futuro biólogo? Irá ao menos se apaixonar pela biologia sem conhecê-la integralmente?
Em relação à questão de processo seletivo, e suas nuances, não discordo do Thiago. A minha preocupação é com o aprendizado formal e isso inclui também a capacidade de memorização de fatos, fórmulas, nomes...
Abraços fraternos.
Sei da sua posição Ramon. Foi excelente você dividir sua opinião aqui com a gente...
ResponderExcluirCom certeza só acrescentou mais nas informações que propomos para o espaço.
Sua visão é de um educador, complementou e muito a nossa idéia...
Mais uma vez, muito obrigado!!!
Abração
Muito me felicita ter um texto comentado por você Saulo, vestibulando, e em especial, por você professor Ramon. Apesar de nunca termos nos encontrado em salas de aula, conheço sua fama de guru setelagoano em questão de pré-vestibulares. Essa discussão só amplia nossas mentes e nos faz adotar posições ainda mais adequadas.
ResponderExcluirEntendo o seu receio quanto à suposta queda de qualidade da educação, mas você há de concordar comigo que formular a grade curricular do ensino médio pautada em um edital de processo seletivo é o cúmulo do reducionismo. Ensinos fundamental e médio são as oportunidades-mor que temos de adquirir uma visão ampla daquilo que nos cerca. O conhecimento a nível superior é muito específico e, a cada pós graduação, torna-se ainda mais restrito. Assim, a hora certa para aprendermos um pouquinho da física do dia-a-dia; da história da humanidade até chegar onde chegou, passando diferentes modelos de produção; da associação esse relevo, clima, economia e desenvolvimento social; da evolução da arte e do modo de pensar de acordo com as correntes de pensamento; de células, tecidos, da evolução e genética. É o momento ainda de desenvolver habilidades matemáticas básicas; habilidades de leitura, escrita e interpretação; e tudo mais que se aprende hoje até o ensino médio.
E esse pragmatismo das escolas não é fruto do ENEM e ocorreria em qualquer outra forma de processo seletivo adotado. Seu argumento sobre ENEM versus educação não derruba, em nada, meu posicionamento pró exame. A retirada de conteúdos por parte das escolas, preparando os alunos para um determinado tipo de seleção, é decorrente do ambicioso desejo de se obterem divulgáveis estatísticas. Isso ocorre porque, não raro, educação no Brasil não passa de uma altamente lucrativa fonte de renda para seus manipuladores(sim, pode-se chamar de manipulação o que se faz), em detrimento do engajamento na formação de indivíduos. Não estou insinuando que ensino deveria ser filantrópico, ou exclusivamente vinculado às funções do Estado, mas que, sem sombra de dúvidas, ele pode ser remodelado a fim de se conciliar interesses mercantilistas a ações pró-sociais. Talvez esteja sendo utópico em criticar o sistema, mas se não possuirmos ideias nem sonhos mudanças dificilmente ocorrerão.
Thiago Campolina Abreu